02 agosto 2012

Treinando o desapego



Vende-se tudo
Martha Medeiros


No mural do colégio da minha filha, encontrei um cartaz escrito por
uma mãe, avisando que estava vendendo tudo o que tinha em casa, pois a
família voltaria a morar nos Estados Unidos. O cartaz dava o endereço
do bazar e o horário de atendimento. Uma outra mãe, ao meu lado,
comentou:
- Que coisa triste ter que vender tudo o que se tem.
- Não é, não, respondi, já passei por isso e é uma lição de vida.
Morei uma época no Chile e, na hora de voltar ao Brasil, trouxe comigo
apenas umas poucas gravuras, uns livros e uns tapetes. O resto vendi
tudo, e por tudo se entenda: fogão, camas, louça, liquidificador, sala
de jantar, aparelho de som, tudo o que compõe uma casa.
Como eu não conhecia muita gente na cidade, meu marido anunciou o
bazar no seu local de trabalho e esperamos sentados que alguém
aparecesse. Sentados no chão. O sofá foi o primeiro que se foi. Às
vezes, o interfone tocava às 11 da noite e era alguém que tinha ouvido
comentar que ali estavam vendendo uma estante.
Eu convidava pra subir e, em dez minutos, negociávamos um belo
desconto. Além disso, eu sempre dava um abridor de vinho ou um saleiro
de brinde, e lá se iam meus móveis e minhas bugigangas. Um troço
maluco: estranhos entravam na minha casa e desfalcavam o meu lar, que
a cada dia ficava mais nu, mais sem alma.
No penúltimo dia, ficamos só com o colchão no chão, a geladeira e a
tevê. No último, só com o colchão, que o zelador comprou e,
compreensivo, topou esperar a gente ir embora antes de buscar. Ganhou
de brinde os travesseiros.
Guardo esses últimos dias no Chile como o momento da minha vida em que
aprendi a irrelevância de quase tudo o que é material. Nunca mais me
apeguei a nada que não tivesse valor afetivo. Deixei de lado o zelo
excessivo por coisas que foram feitas apenas para se usar, e não para
se amar.
Hoje me desfaço com facilidade de objetos, enquanto que se torna cada
vez mais difícil me afastar de pessoas que são ou foram importantes,
não importa o tempo que estiveram presentes na minha vida...
Desejo para essa mulher que está vendendo suas coisas para voltar aos
Estados Unidos a mesma emoção que tive na minha última noite no Chile.
Dormimos no mesmo colchão, eu, meu marido e minha filha que, na época,
tinha 2 anos de idade. As roupas já estavam guardadas nas malas. Fazia
muito frio.
Ao acordarmos, uma vizinha simpática nos ofereceu o café da manhã, já
que não tínhamos nem uma xícara em casa.
Fomos embora carregando apenas o que havíamos vivido, levando as
emoções todas: nenhuma recordação foi vendida ou entregue como brinde.
Não pagamos excesso de bagagem e chegamos aqui com outro tipo de
leveza.


"Só possuímos na vida o que dela pudermos levar ao partir. Nem mesmo o
nosso corpo nos pertence."


NOSSOS PENSAMENTOS

As Mandalas podem nos ajudar a ter mais foco, centramento e atenção. Assim podemos interferir no nosso modo de pensar. O vídeo explica de fo...